Da favela do Jardim Glória para o Episcopado
por: Claudinei Pollesel*
Toda a família franciscana e, em especial, o “Grupo de amigos de frei Sigrist”, ficaram muito felizes e agradecidos ao Papa Francisco pela feliz escolha de frei Carlos Silva para o episcopado, como titular de Summula e auxiliar da Arquidiocese de São Paulo. A cerimônia de sagração será no dia 13 de fevereiro de 2021 na Catedral da Sé, na capital paulista. Provavelmente assuma a Região Episcopal de Brasilândia, até então sob o pastoreio de Dom Devair Araújo da Fonseca, que assume a nossa querida Diocese de Piracicaba.
Em 1985, Frei Carlos Silva, como postulante no início de seu processo formativo, fez parte da primeira comunidade da favela do Jardim Glória, compondo a fraternidade de Nossa Senhora da Glória com o também seminarista Toninho Supriano e o formador e guardião, frei Francisco Erasmo Sigrist. Este pequeno grupo de franciscanos deixam o Convento Sagrado Coração de Jesus e o Seminário Seráfico São de Fidélis, onde residiam, para assumirem a vida na mais pobre e miserável favela de Piracicaba. A intenção era viver com os pobres, para os pobres e como os pobres, assumindo todos os riscos e dificuldades que esta decisão acarretava.
Frei José Orlando Longarez lembra e reproduz o diálogo que resultou nesta decisão de partir ao encontro com o pobre no seu lugar de vida e luta: “em reunião de formação do postulantado discutia-se sobre a opção pelo pobre e pela pobreza, tão vivida e sonhada por São Francisco de Assis, quando o seminarista Carlos Silva questiona de forma incisiva: “quando iremos viver realmente esta pobreza?”. Decisão seguinte foi a procura de um local, que acabou sendo a favela do Jardim Glória, na Paróquia São Francisco Xavier. Como formador e guardião acabou se oferecendo e aceito, o recém ordenado frei Francisco Erasmo Sigrist, já com 53 anos e com maturidade suficiente para acompanhar os seminaristas, neste ambiente tão diferente da realidade dos seminários e conventos. Com as devidas autorizações e bênçãos dos superiores capuchinhos, do pároco Padre Vicente Tonetto e do bispo Dom Eduardo Koaik, inicia-se as reformas no precário barraco de madeira, comprado de Dona Joana, que havia pertencido ao seu filho Isaías. Com as reformas e pequenas adaptações coordenados pelo seminarista Carlos Silva a pequena comunidade muda-se em 05 de fevereiro de 1985 para o barraco. Continuam seus estudos de filosofia no Seminário Seráfico São Fidélis, onde frei Sigrist também é professor.
Frei Carlos Silva vive nesta comunidade da favela do Jardim Glória por dois anos, (1985 e 1986) desenvolvendo ali sua atuação pastoral e humanitária. Acompanha a realidade sofrida dos moradores amenizando suas dores e dificuldades. Providencia pequenos curativos e outros pequenos tratamentos simples de saúde e higiene; ensina os adultos e crianças a ler e escrever; visita as famílias, distribuindo comida e roupas aos necessitados; ensina a catequese preparando as crianças para a primeira comunhão; prepara a liturgia das missas celebradas por frei Sigrist num barraco de madeira improvisado como capela.
Nesta comunidade do Jardim Glória criou laços de amor e amizade, fortes ainda hoje, mesmo passados mais de 35 anos. Sua presença é constante na comunidade, hoje urbanizada e organizada graças à esta presença franciscana, que transformou a favela em uma bela comunidade com casas de alvenaria, capela e belezas ímpares. Dona Joana, a primeira moradora e aquela que acolheu a chegada dos franciscanos tem carinho especial por todos que passaram por ali e lembra de frei Carlos com carinho de mãe, não cansando de contar as histórias e aventuras deste filho querido pelo dia a dia da favela.
Sua presença como celebrante de missas ou visitando seus amigos é constante. Durante as celebrações dos 20 anos de falecimento de frei Francisco Erasmo Sigrist, celebrado em 2018, esteve várias vezes celebrando com a comunidade na Capela de São Francisco e Santa Clara de Assis. Participou ativamente destas celebrações que culminou com o lançamento da biografia: “Deo Omnis Glória – frei Sigrist a vida de um homem santo”, pelo Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba. A apresentação desta obra é de sua autoria. Nesta época exercia a função de Ministro provincial dos frades capuchinhos do estado de São Paulo e usou sua influência e generosidade para que as celebrações fossem um sucesso.
Os capuchinhos deixaram o Jardim Glória no ano 2000 após transformarem radicalmente aquela realidade simples e pobre. Todos os barracos foram destruídos e em seus lugares surgiram 120 casas de alvenaria, com saneamento básico, ruas foram abertas, a capela construída e a dignidade e felicidades, presentes na vida deste povo querido. O único barraco que permaneceu em pé foi o barraco dos freis. Em 2010 foi totalmente restaurado pela Prefeitura de Piracicaba, á pedido da comunidade que manteve e conservou este espaço com amor e carinho. Em 2020, tornou-se patrimônio histórico do Município de Piracicaba, sendo tomado pelo Codepac.
Frei Carlos Silva leva para o episcopado toda sua experiência pastoral vivenciadas como religioso e sacerdote, em todas as comunidades onde atuou no Brasil, no México e na Itália. Mas temos a certeza que leva com carinho especial a experiência vivida como jovem postulante, no inicio de sua vida religiosa, na favela do Jardim Glória, em Piracicaba/SP.
Pedimos que nos envie sua benção. Esperamos ansiosos pela sua visita para celebrar conosco já revestido das insígnias episcopais.
*Claudinei Pollesel, do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba – IHGP.
Fonte: A Província – www.aprovincia.com.br