Historiadores mapeiam 46 pontos para visitar no Cemitério da Saudade
Autores do livro “Somos Todos Iguais”, Mauricio Beraldo e Paulo Tot Pinto participaram de roda de conversa promovida pela Escola do Legislativo nesta terça-feira.
Que tal antecipar a parada no nosso destino final e fazer uma viagem pelo tempo, com curiosidades centenárias, imersão em grandes obras de arte e lendas que sobrevivem a gerações? E tudo isso gratuitamente, a céu aberto? É o que propõem os historiadores Mauricio Beraldo e Paulo Tot Pinto, autores do livro “Somos Todos Iguais”, sobre o Cemitério da Saudade.
Eles participaram na tarde desta terça-feira (24) de evento on-line promovido pela Escola do Legislativo, da Câmara Municipal de Piracicaba. A roda de conversa “Aspectos históricos e culturais do Cemitério da Saudade” contextualizou a origem da principal área de sepultamentos da cidade, cuja inauguração completará 150 anos no próxima dia 2 de dezembro.
Chamado no início de “cemitério dos alemães”, em razão de ser a morada final de fiéis protestantes, o “Saudade” hoje se estende por 145 mil metros quadrados. Abriga túmulos de personalidades nacionalmente conhecidas —como o do primeiro presidente civil do Brasil, Prudente de Morais, e o do pintor José Ferraz de Almeida Júnior— e outras que se tornaram famosas pela mística “nascida com a morte”, como é o caso de Nelsinho Sant’Anna, também chamado de “o menino da chupeta”, a quem se rogam preces pela saúde das crianças.
Maurício e Paulo mapearam 46 pontos de grande interesse histórico e artístico do Cemitério da Saudade: 43 sepulturas, a capela de São Miguel Arcanjo e os dois portais —o “Monumental”, que hoje funciona como o principal acesso, pelo Largo da Saudade, e o “de 1871”, nome denunciado pela inscrição visível no topo, que faz menção ao ano de fabricação do portão que antes servia como entrada, pela avenida Independência, na altura do estádio Barão da Serra Negra.
O objetivo do mapeamento é estimular idas ao Cemitério da Saudade que não estejam relacionadas aos tristes motivos que levam a maioria das pessoas a atravessarem seus portões. Paulo ressalta que o local tem potencial para ser transformado em espaço de visitação, com eventos culturais, a exemplo de tours guiados com a participação de escolas e outros grupos interessados.
“Nesses dois anos da pandemia, os cemitérios ficaram em evidência. Apesar de natural, todo mundo quer fugir da morte e a gente, que estuda e gosta dessa cultura, tem que aproveitar esse espaço para desmitificar isso e torná-lo espaço de visitação. É preciso tirar esse medo, esse estigma do cemitério”, comentou o historiador, que é membro da diretoria da Associação Brasileira de Estudos Cemiteriais e já participou de encontros sobre a temática em países como Argentina, Colômbia, Chile e Peru.
“É um dos lugares mais bonitos da cidade”, completou Mauricio, endossando opinião antes expressa por Paulo e também pelo vereador Pedro Kawai (PSDB), que é coordenador da Escola do Legislativo e fez a abertura da roda de conversa. Funcionário do Museu Histórico e Pedagógico Prudente de Moraes, ele chamou a atenção para o tesouro cultural que há em cada lápide. “É um museu a céu aberto, onde encontramos obras de arte e túmulos históricos, como de Prudente de Morais, Barão de Serra Negra, Barão de Rezende, Parafuso e Erotídes de Campos”, disse Maurício.
No livro “Somos Todos Iguais” —cujo título remete à frase, em latim, que adorna o Portal Monumental (Omnes similes sumus)—, o roteiro com os 46 pontos de visitação é acompanhado de fatos históricos que os contextualizam. (Para fazer o download do livro, acesse IHGP.org.br). A segunda parada do percurso, por exemplo, é no túmulo de Gaspar Fessel, o primeiro coveiro do cemitério, que, em seus 33 anos na função, enterrou 20 mil pessoas.
Perto dali, destaca-se a sepultura de padre Galvão. “É uma das mais emblemáticas, pois fica no meio da rua. Existe a lenda de que, no enterro, o caixão começou a ficar muito pesado e o deixaram ali mesmo, no meio da rua. Mas a verdade é que, como o cemitério passou por várias reformas, foram fazendo novos arruamentos, porém não quiseram mexer nessa sepultura. Ali tinha uma capela, que depois foi demolida, mas não quiseram mexer no túmulo”, explicou Mauricio.
Mediado pelo jornalista Rodrigo Alves, diretor do Departamento de Comunicação Social da Câmara, a roda de conversa também abordou as circunstâncias que fizeram Piracicaba ter um novo local para sepultamentos. Até o século 19, predominava a tradição de enterrar os mortos ao redor de igrejas ou mesmo dentro delas (no caso de religiosos e pessoas eminentes).
“Com o passar do tempo, proíbe-se de enterrar nas igrejas e os cemitérios passam a ser locais públicos. O da praça Tibiriçá foi o primeiro, para enterrar os mais pobres, escravos, suicidas, pessoas condenadas”, disse Maurício, sobre o local onde atualmente está a Escola Estadual “Moraes Barros”. Em seguida, foi aberto o do Colégio Dom Bosco, na rua Boa Morte. “Os protestantes não tinham espaço, eram enterrados em fazendas”, continuou Paulo. “Em 1860, um pedaço de terra é doado ao pastor Otto, onde começam a ser enterrados os protestantes que não tinham oportunidade de ser enterrados em espaços católicos”, completou.
O “pedaço de terra” doado ao médico alemão Otto Rodolfo Kupfer é a parte “velha” do Cemitério da Saudade, que na época tinha um muro que separava as áreas onde católicos e não-católicos estavam sepultados. Paulo acredita que a divisão permaneceu até a reforma de 1904, na qual se deu a construção do Portal Monumental, que mudou a entrada para o Largo da Saudade.
Um conjunto de quatro túmulos protestantes que datam do início do cemitério está em processo de tombamento no Codepac (Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Piracicaba). As lápides remanescentes também fazem parte da visita sugerida pelos autores de “Somos Todos Iguais”. “A história está nesses túmulos. Temos que transformar o cemitério em local histórico e turístico e quebrar esse paradigma de tristeza e morte”, concluiu Maurício.
Fonte: Câmara Municipal de Piracicaba