“Melhor lavar as mãos. Estão acinzentadas de tanto folhear jornais”, pensei. Quando me dei conta, passaram horas folheando jornais impressos de décadas passadas… Opa! Décadas, não. Vamos ser sinceros. Séculos passados… “A rinite atacou? Deveria ter usado uma máscara…”. E assim a história foi se desenrolando dias destes quando adentrei ao acervo do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba, em sua sede situada no Jaraguá, perto da Praça Takaki, onde a vizinhança tradicional permanece e nos acolhe como amigos da região, tais quais os irmãos Abdalla (Jorginho e Marcos), entre outros que ajudam o comércio a florescer. Agora a região tem até uma grande rede supermercadista para o café da manhã e a prosa com os amigos.
Mas de história e memória vive o homem. Alguns o denominam de “guardião da história de Piracicaba”. O Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba, ao completar seus 56 anos de fundação, neste mês de agosto, carrega nas costas a função essencial de cuidar de tudo o que Piracicaba foi no passado e divulgar para as gerações atuais todo este conteúdo que soma quase uma tonelada de materiais, entre livros, jornais, disquetes, filmes em celuloide, peças físicas e itens audiovisuais, entre tantos outros. É um peso imenso pois nesta quase uma tonelada estão vidas, dedicação e amor pela “Noiva da Colina”.
O jornal ao qual me referi no primeiro parágrafo é “A Gazeta de Piracicaba”, matutino que circulou de janeiro de 1881 a julho de 1938. Uma das primeiras edições que o acervo possui é de 1883, a qual necessita de total cuidado para ser manuseada tamanha a fragilidade que o papel jornal sofreu com a ação do tempo nestes 140 anos. “Ora, por que guardar papel velho?”, dirão alguns. Nestas páginas está a real história da cidade. Nada inventado. Sem “fake news”. São os relatos de uma sociedade, de uma economia, de uma política … de pessoas que fizeram esta cidade a qual hoje usufruímos. Mais que base para estudos sociais e acadêmicos, são obras para conhecer o passado e – aí uso um jargão desgastado – evitar que venhamos a cair em erros já vividos pela humanidade.
Como escrevi, o peso deste acervo é intangível. Mais que representam os quilos e quilos de papel ou outro material que relega ao futuro o seu conteúdo. Peguemos por exemplo, o acervo deste Jornal de Piracicaba. Em seus 123 anos de circulação, quantos nomes não passaram por eles? Quantas alegrias proporcionaram às famílias piracicabanas? Quanta surpresa nos trouxeram? Quantas tristezas foram motivadas pelas notícias policiais ou pela necrologia? Quem não esperou pelo resumo da novela da semana ou pelas cruzadas para passar o tempo? O jornalismo se torna mágico na informação, no entretenimento e no conhecimento. Esta memória viva não foi construída sozinha. Precisou da mão e do pensamento do ser humano, para o bem ou para o mal. Mas aí, a história é outra.
O Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba foi idealizado na primeira metade dos anos 1960, a exemplo de outros institutos históricos que eram criados no país. Muito se teorizou. Mas, às luzes dos 200 anos de Piracicaba, no ano de seu bicentenário, 1967, o sonho se concretizou. Não à toa a data de primeiro de agosto foi escolhida para sua fundação. Aniversário da cidade…
José Edmar Kihel, que viveu por longos 100 anos, foi nosso primeiro mentor a presidir a entidade. O professor Kiehl era um exemplo de dedicação à vida. Engenheiro agrônomo – assim como os primeiros presidentes e diretores da entidade, todos provenientes da ESALQ – e adorava magia se apresentando em espaços como o Grande Hotel de Águas de São Pedro. Idealizou o “Paraíso da Criança” e dirigiu por uma década o Zoológico de Piracicaba. Há que diga que travava os animais de lá como crianças … ou mais, como seres humanos, tamanha a bondade de seu coração.
Deram sequência a este sonho diversas outras personalidades. Muitos com notoriedade na sociedade como Nélio Ferraz de Arruda, radialista e prefeito da cidade. O IHGP entrou neste século atual com desafios, caminhando para o mundo digital numa era pré Orkut (já extinto) e antes mesmo dos smartphones, mídias sociais ou aplicativos de comunicação. Fizeram parte de “cabo de guerra” com os avanços tecnológicos pessoas como Haldumont Nobre Ferraz, Pedro Caldari, Vitor Pires Vencovsky, Valdiza Maria Capranico e Pedro Vicente Ometto Maurano.
O IHGP possui em suas mãos a história local. E visa passar este conhecimento para outras mãos. Afinal, não adianta guardar conhecimento na gaveta ou no armário pois cupim e traça não sabem ler, apenas devorar o papel. O desafio hoje é a propagação deste material, aliando-se à tecnologia digital cuja história vem sendo escrita. Para tanto, vários canais foram criados na última década para que todo este bem material e imaterial seja disseminado como informação, para estudo e conhecimento. Os livros desta entidade propagam conhecimento e, na sua maioria, desconhecida pelo piracicabano. Uma preocupação que universidades “estrangeiras” querem guardar para si como a de Harvard e do Congresso Norte-Americano, que possuem em suas respectivas galerias sobre a história da América Latina nossas publicações.
Mas as gerações vão e vem. É preciso surtir o interesse pela história e criar novas lideranças para carregar estes fardos tanto físicos como de conhecimento intelectual. Vamos pensar nisso?
Edson Rontani Júnior
Presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba