Prefeito assina decreto que registra dialeto e sotaque como patrimônio de Piracicaba
O prefeito Gabriel Ferrato assinou, na quinta-feira, o decreto que registra no Livro de Registro das Formas de Expressão o sotaque e o dialeto piracicabano como patrimônio imaterial do município. A assinatura do documento garante a continuidade histórica e a relevância do bem para a memória, a identidade e a formação da sociedade piracicabana. A cerimônia, realizada na sede do Codepac (Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural), no Engenho Central, teve a presença de autoridades, de representantes de entidades culturais e de artistas, como cururueiros e poetas.
A proposta foi apresentada por um grupo de quatro instituições culturais da cidade – Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba (IHGP), Academia Piracicabana de Letras (APL), Instituto Cecílio Elias Neto (Icen) e a Associação Piracicabana de Artistas Plásticos (Apap) e o relatório final aprovado pelo Codepac no dia 12 deste mês.
Para o processo administrativo, chamado de Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial – Dialeto e Sotaque Piracicabano, foram analisados aspectos históricos, linguísticos, sociológicos e antropológicos, publicações, materiais informativos em diferentes mídias, referências documentais e bibliográficas pertinentes ao referido bem. Também foi feito levantamento de registros audiovisuais e gravações sonoras do projeto Documentários, da Célula – MISP (Museu da Imagem e do som de Piracicaba), cedidos por André Boareto e Raul Rozados. Foram entrevistadas personalidades ligadas à cultura e às tradições de Piracicaba, como os cururueiros Moacir Siqueira, que faleceu este ano, Jonata Neto, o poeta Antonio Carlos de Oliveira, o Marcha Lenta, e os músicos Toninho da Viola e Milo da Viola. Cabe ao Codepac a reavaliação do bem registrado a pelo menos cada dez anos.
De acordo com Ferrato, a assinatura do decreto é um momento para ele, enquanto prefeito, de muita honra. “É uma contribuição à história e à memória de Piracicaba”, disse. “Um povo que não tem memória não tem futuro. Não se entende uma cidade e não é possível governá-la se não tivermos clareza de suas raízes”, completou.
A secretária Rosângela Camolese destacou o trabalho realizado pelo Codepac. “Mudamos o panorama dos tombamentos nos últimos tempos, que se concentrava nos bens imóveis e em poucos móveis. Gostaria de agradecer à equipe do Codepac por esse grande trabalho”, observou. O dialeto e o sotaque é o primeiro bem imaterial a ser registrado.
Mauro Rontani, procurador-geral do município e presidente do Codepac, disse que a iniciativa é uma forma de preservar a cultura caipira e elevar o nome de Piracicaba. “Tivemos repercussão nacional com esse registro. O que antes era pejorativo (o sotaque e o dialeto) hoje é motivo de orgulho”, comemorou.
Em sua fala, o jornalista Cecílio Elias Netto, autor do Dicionário do Dialeto Caipiracicabano – Arco, Tarco, Verva…, que reúne expressões típicas dos piracicabanos e está em sua sexta edição, classificou o momento como histórico. “Vivemos um momento de retorno às raízes. Me sinto aliviado. Apenas contribuí com isso. Eu fui a babá. Fui cuidando. Mas a partir de hoje os senhores passam a ser os guardiões desse patrimônio”, disse.
A cerimônia foi permeada por apresentações dos cururueiros Dirceu Chiodi e Jonata Neto, do músico Toninho da Viola e do poeta Marcha Lenta, que declamou o poema 1º de Agosto, em homenagem aos 249 anos de Piracicaba.
HERANÇA BANDEIRANTE – De acordo com a historiadora e membro do Codepac, Renata Gava, a singularidade rústica que caracteriza o dialeto e sotaque piracicabano pode ser justificada pela miscigenação dos primeiros paulistas e influências linguísticas, uma vez que os indígenas e mestiços tinham dificuldade em articular sons das letras B, D, F, L, LH, R, V, Z em determinadas sílabas.
“Essa peculiaridade que caracteriza o dialeto caipira, que ressoa em letras de modas, no ponteio da viola, carregando em suas pronúncias os ‘erres’ e trocando o ‘L’pelo ‘R’ e ‘LH’ pelo ‘I’, é o que define o linguajar caipira como a língua dos Bandeirantes”, explica Renata.
No entender da historiadora, a supressão de letras na palavra ou expressão é um traço forte desse falar caipira, juntamente com um estiramento mais ou menos excessivo das vogais, dando ao homem caipira a referência de introvertido e apressado. “O dialeto caipira originou variantes e as manteve. Esta linguagem contém muitas formas arcaicas e característica coloquial, como o elemento principal deste falar, o R retroflexo, mas há também um padrão linguístico característico como a troca do L pelo R, assim como casos de R e S caírem quando final de palavra, o D das formas verbais em ando, endo, indo cai e vocaliza-se em I”, detalha Renata.
Fonte: A Província – www.aprovincia.com.br